quarta-feira, 7 de julho de 2010

Tentativas de purificar a dor

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Publicado em 06/07/2010 Luciana Romagnolli

O espaço é apertado e o tempo, curto. Em 50 mi­­nutos de espetáculo, con­­finada no quarto com o homem que acaba de voltar de uma noitada insana, a mulher da peça Fala Comigo como a Chuva – apresentada no fim de semana no Teatro da Caixa – expressa toda a angústia da espera.
O que está em jogo não é apenas aquela noite, nem mesmo um acerto de contas realista entre o casal. A adaptação do texto de Tennessee Williams feita pela companhia mineira Teatro Adulto condensa um volume de sentimentos que só se acumula ao longo de uma relação que já passou por muitas crises antes.
Está naquele ponto em que a frustração e o cansaço são tamanhos, e de tal modo parecem in­­solúveis, que o único caminho a se desenhar para a mulher insatisfeita é a desistência.
Seria mais simples juntar suas roupas e sair porta afora, abandonando o homem que a feriu. Ela sabe disso e quer partir, mas a relação – assim como o pequeno quarto que dividem – é aprisionadora. O homem se apresenta como um menino irresponsável, sem consciência da dor que causa, carente. E ela ainda o ama. Como desatar os nós da intimidade num caso desses?

Frágil
Estreando como diretora, Cynthia Paulino investe em emoções que não passam pelas palavras (contidas), mas tampouco conseguem se esconder: são reveladas em cada passo, a cada movimento dos atores em cena. Samira Ávila (Por Elise e Amores Surdos) contracena com Luiz Arthur (A Morte de DJ em Paris), e são as únicas presenças vivas no palco.
Importantes também para dar densidade a esse recorte da vida a dois são os simbolismos, sobretudo a água. O líquido escorre do alto do painel de fundo, onde se vê uma reprodução da pintura “Árvore da Vida” (do austríaco Gustav Klimt), e forma uma poça crescente até inundar o chão e empapuçar o casal.
Desse modo, a montagem põe o realismo de lado para sublinhar, especialmente, o frágil estado emocional da personagem feminina. Durante longos silêncios, embalados pelo imaginário romântico sofrido das canções francesas escolhidas para a trilha sonora, ou sem som al­­gum, ela manifesta seus tormentos em gestos e olhares, hábeis em estabelecer a profunda tensão que se interpõe entre eles.
O afastamento dos amantes fica evidente pela presença das duas camas de solteiro. E, mesmo quando suas peles estão em contato, os movimentos dos corpos traçam uma coreografia de intimidade dolorida. Um amor penoso.
A mulher de Samira nunca mais ingeriu senão água desde que o homem se foi. A essa altura, já tão desgastada emocionalmente, o líquido representa uma chance de purificação.
Quando, enfim, ela explode em um desabafo intenso, sua fala descontrolada e repetida vem onírica, sonhando com uma vida de isolamento que passe despercebida. Seu escapismo é a assepsia (o que explica tanta água). Sua esperança: não sentir mais nada.

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