quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

(As tranquilas mortalidades)

Colette Calascione


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...sentou-se para descansar e em breve fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava de morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente da mão de Deus... faz de conta que vivia e que não estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que era sábia bastante para desfazer os nós de corda de marinheiro que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua pois ela era lunar, faz de conta que ela fechasse os olhos e os seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta, faz de conta que se descontraía o peito e a luz douradíssima e leve a guiava por uma floresta de açudes mudos e de tranqüilas mortalidades, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando por dentro... — pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado; ela saíra agora da voracidade de viver.

*Clarice Lispector*

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

ALGUMAS PROPOSIÇÕES COM PÁSSAROS E ÁRVORES QUE O POETA REMATA COM UMA REFERÊNCIA AO CORAÇÃO

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Os pássaros nascem na ponta das árvores

As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros

Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores

Os pássaros começam onde as árvores acabam

Os pássaros fazem cantar as árvores

Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se

deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal

Como pássaros poisam as folhas na terra

quando o outono desce veladamente sobre os campos

Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores

mas deixo essa forma de dizer ao romancista

é complicada e não se dá bem na poesia

não foi ainda isolada da filosofia

Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros

Quem é que lá os pendura nos ramos?

De quem é a mão a inúmera mão?

Eu passo e muda-se-me o coração

Ruy Belo

sábado, 12 de dezembro de 2009

amarei...

(by Cy Paulino)
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'E não há paisagem que seja mais linda do que o rosto do seu amor.

Não há pôr-do-sol que valha desviar seu olhar do dela.

Eu te amo. Eu também te amo. Eu te amo mais. Impossível.

Eu te amo o mundo. Eu te amo o universo.

Te amo tudo aquilo que não conhecemos.

E eu te amo antes que tudo o que nós não conhecemos existisse.

Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo mais do que a mim.

‘Já conheço os passos dessa estrada’...

E, mesmo assim, estarei sempre pronto para esquecer aqueles que me levaram a um abismo.

E mais uma vez amarei.

E mais uma vez direi que nunca amei tanto em toda a minha vida.'

FERNANDA YOUNG

domingo, 6 de dezembro de 2009

“Se imaginarmos a existência do indivíduo como um quarto mais ou menos amplo, veremos que a maioria não conhece senão um canto do seu quarto...

by Cy Paulino
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... um vão de janela, uma lista por onde passeiam o tempo todo, para assim possuir certa segurança.”
Rainer Maria Rilke