domingo, 31 de agosto de 2008

"O QUE É QUE EU AMO QUANDO TE AMO?"
Sto Agostinho







Todos os dias atravessamos a mesma rua ou o mesmo jardim; todas as tardes nossos olhos batem no mesmo muro avermelhado, feito de tijolos e tempo urbano.
De repente, num dia qualquer, a rua dá para outro mundo, o jardim acaba de nascer, o muro fatigado se cobre de signos. Nunca os tínhamos visto e agora ficamos espantados por eles serem assim: tanto e tão esmagadoramente reais. Sua própria realidade compacta nos faz duvidar: são assim as coisas ou são de outro modo?
Não, isso que estamos vendo pela primeira vez, já havíamos visto antes. Em algum lugar, no qual nunca estivemos, já estavam o muro, a rua, o jardim. E à surpresa segue-se a nostalgia. Parece que nos recordamos e quereríamos voltar para lá, para esse lugar onde as coisas são sempre assim, banhadas por uma luz antiquíssima e que ao mesmo tempo acaba de nascer. Nós também somos de lá.
Um sopro nos golpeia a fronte. Estamos encantados, suspensos no meio da tarde imóvel. Adivinhamos que somos de outro mundo.
Octavio Paz
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A proposta era: vamos tirar 'a voz do texto'. Vamos 'falar no silêncio', executando as ações em seu tempo real. Nada acelerado. Ouvir o outro pelo olhar, pela respiração, pelo quente do corpo.
Que prazer entender que o Teatro voltou, na minha vida, para esse lugar, esse território do 'encantamento'. Porque não são só os dois, Samira e Luiz Arthur, que estão ali. Somos nós. Essa noite, todas as noites, os três. E não precisamos de discussões, pirações, filósofos-teóricos e teorias, retórica e defesa de pontos de vista. Deixamos acontecer.
E foi bom, foi prazeroso, para todos.
Estávamos, estamos desarmados. Confiando um no outro e isto é o que basta.
Confiança, sem julgamento.
Os dois na cena, mais intensos, mais atentos, observando, conhecendo e estudando o outro. Redescobrindo o ritmo do outro e no outro.
Eu, 'na platéia', assistindo a um filme antigo, cinema mudo. E ouvia uma trilha contínua, que pontuava cada 'não-palavra'.
Como atriz sinto sim falta de estar no lugar do jogo, do risco. Como diretora sinto o prazer de sempre entrar com eles na cena.
Lições que aprendo todos os dias com o teatro: dar tempo ao tempo, aproveitar cada experiência o mais intensamente possível, ser humilde - salve generosidade, xô vaidade! - ouvir mais do que falar - tomar cuidado com os argumentos e com as justificativas - sentir mais até do que atuar.
Cy
"Deus tarda , mas não falha? Deus nem tarda nem falha. Ele sempre chega na hora certa... Mas, para isso, é preciso deixar a porteira bem aberta." Dona Francisca

sábado, 30 de agosto de 2008

ORA, AS LEMBRANÇAS DE AMOR NÃO ABREM EXCEÇÃO ÀS LEIS GERAIS DA MEMÓRIA, REGIDAS TAMBÉM ESTAS PELAS LEIS MAIS GERAIS DO HÁBITO. COMO O HÁBITO ENFRAQUECE TUDO, O QUE MELHOR NOS RECORDA UMA CRIATURA É JUSTAMENTE O QUE HAVÍAMOS ESQUECIDO (PORQUE ERA INSIGNIFICANTE E ASSIM LHE HAVÍAMOS DEIXADO TODA A SUA FORÇA). EIS POR QUE A MAIOR PARTE DA NOSSA MEMÓRIA ESTÁ FORA DE NÓS, NUMA VIRAÇÃO DE CHUVA, NUM CHEIRO DE QUARTO FECHADO OU NO CHEIRO DE UMA PRIMEIRA LABAREDA, EM TODA PARTE ONDE ENCONTRAMOS DE NÓS MESMOS O QUE A NOSSA INTELIGÊNCIA DESDENHARA, POR NÃO LHE ACHAR UTILIDADE, A ÚLTIMA RESERVA DO PASSADO, A MELHOR, AQUELA QUE, QUANDO TODAS AS NOSSAS LÁGRIMAS PARECEM ESTANCADAS, AINDA SABE FAZER-NOS CHORAR. FORA DE NÓS? EM NÓS, PARA MELHOR DIZER, MAS OCULTA A NOSSOS PRÓPRIOS OLHARES, NUM ESQUECIMENTO MAIS OU MENOS PROLONGADO. GRAÇAS TÃO-SOMENTE A ESSE OLVIDO É QUE PODEMOS DE TEMPOS EM TEMPOS REENCONTRAR O SER QUE FOMOS, COLOCARMO-NOS PERANTE AS COISAS COMO O ESTAVA AQUELE SER, SOFRER DE NOVO PORQUE NÃO SOMOS MAIS NÓS, MAS ELE, E PORQUE ELE AMAVA O QUE NOS É AGORA INDIFERENTE.
NA PLENA LUZ DA MEMÓRIA HABITUAL, AS IMAGENS DO PASSADO POUCO A POUCO EMPALIDECEM, APAGAM-SE, NADA MAIS RESTA DELAS, NÃO MAIS A TORNAREMOS A ENCONTRAR. OU ANTES, NUNCA VOLTARÍAMOS A ENCONTRÁ-LAS SE ALGUMAS PALAVRAS NÃO TIVESSEM SIDO CUIDADOSAMENTE ENCERRADAS NO ESQUECIMENTO, DA MESMA FORMA QUE SE DEPOSITARA NA BIBLIOTECA NACIONAL O EXEMPLAR DE UM LIVRO QUE, SEM ISSO, CORRERIA O RISCO DE TORNAR-SE INENCONTRÁVEL.
Marcel Proust
em busca do tempo perdido
Volume 2
à sombra das raparigas em flor

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Aflição de não ser a grande ilha que te retém...













Sonetos que não são
de Hilda Hilst

Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha

Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha.)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.
( Roteiro do Silêncio(1959) - Sonetos que não são - I)

Soninho depois do ensaio...


Ela lê:


Robert & Shana ParkeHarrison


EU SUPONHO QUE ESTEJA CHOVENDO EM ALGUMA CIDADE ESPANHOLA NESTE MOMENTO, ENQUANTO EU ME SINTO ASSIM DESSE JEITO.

GOSTO DE PENSAR NISSO AGORA.

NÃO CONSIGO IMAGINAR AS PESSOAS.
TALVEZ ELAS TAMBÉM ESTEJAM SE SENTINDO MAL, QUASE TÃO MAL QUANTO EU.

PERGUNTO-ME: O QUE ELAS FAZEM QUANDO SE SENTEM ASSIM?
PROVAVELMENTE NÃO DIZEM NADA.

DIZEM APENAS, "OLHA, ESTÁ CHOVENDO."
ASSIM É MELHOR MESMO.
Bukowski

E ela lê:

quarta-feira, 27 de agosto de 2008





"A generosidade.Haverá arte sem ela? Quando a arte que morava em você é expulsa como um vômito que nada pode segurar, você se reparte e se oferece aos pedaços sem querer saber se o que faz ou o que mostra é bom ou mau - é você e nada mais - não há troco a ser conferido". Sonia Lins


Eu também estou por aqui, sem conferir nenhum troco. “Fala comigo” é um dos raros momentos na vida de um artista onde pouco importa tudo o mais, a não ser a obra. O fazer. O querer simplesmente fazer porque se precisa fazer. Não não há troco a conferir. Simplesmente é. Desculpem-nos, mas nada foi calculado. Não temos estratégia. Estamos, essencialmente, pairando em um lugar que criamos, que amamos, que não é melhor nem pior que o do meu vizinho do bairro. Um lugar vivo, generoso e imponderável!

Te esperamos no Galpão Cine Horto, de 11 a 21 de setembro, quinta a domingo. Não vamos conferir nossos trocos.



beijos, S.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Reunião de produção

Companhia Teatro Adulto e Linda Ataka!

Huahuahuahuahuahuahua...

Aquecimento

Fazendo pose

O psicopata e a mocinha

Performance I

Performance II

A miss e o cara triste

A Mulher Robô

Bêbados

Broadway

B'boy!

Desenho animado

Barney

Piaf

Sentimento...

Mais sentimento ganhando Oscar...

Meryl Streep e Homem sensível

Luiz Arthur, Samira e Vaca



Mais uma vez o 'drama' de encontrar lugar para ensaiar. 20h é o melhor horário para os 3. Onde?
Eu quero: um espaço, uma sede, um ponto de encontro. 'Fala comigo' é o nosso primeiro trabalho, o começo de novo. Sim, já temos planos. Para o 'Fala' e para os próximos projetos. Muitos.

Planos e projetos.

Salsa ofereceu o seu 'salão', o lugar onde começamos a ensaiar o espetáculo, nossa, parece que foi ontem. E a Vaca, sempre, nosso mascote. Que delícia, bolo e velinhas, ela faz aninhos e comemora ensaiando em casa com a gente.
Parece que foi ontem mesmo: o texto, o frio na barriga e a ansiedade de um projeto novo, paixão avassaladora, gestação e estréia, temporada. Depois um tempo longe do quarto e
da água e da mulher e do homem.

Talvez agora seja bom retomar o ritmo justamente saindo do ritmo: hoje nada muito denso, nada muito pra dentro, nada de 'profundezas', vamos nos divertir na superfície, vamos usar bóia. A gente acaba se esquecendo de como nos divertimos juntos.

Então hoje vamos rir.

A brincadeira é assim: 'vão fazendo e eu sou a voz que entra na cabeça de vocês e muda tudo'. Eu sou a intenção, a idéia, eu sou a bagunça, eu sou a sujeirinha na cena, quer dizer, no quarto.

Ele malandro carioca, ela com depressão 'fundo do poço'. Eles criancinhas. Ela faz bagunça, ele chora. Locutor de rádio, galã de novela mexicana, mocinha que acha o cheiro dele irresisitível. Ele agora é um psicopata que a persegue e ela estudante gostosa de filme b. Comercial de sabonete e xampu. Professora alemã, aluno encapetado. Ela bem velha, ele também, sem dentes. Ela uma miss e ele chorando sem parar, muito sensível e lento. Os dois 'performáticos' - quem é ator bota a mão aqui! Robôs. Desenho animado. Vai o som do b'boy, musical da Broadway, vem Piaf, Jake Nicholson, Merry Streep, Marlon Brando, Silvio Santos. Chuva de rosas. Sentimentais demais e por aí vai... huahuahuahuahuahuahuahuahua...

Há muito tempo não ria tanto.
Eu quero não, eu preciso: uma comédia.