domingo, 15 de fevereiro de 2009

"...sabe que o meu gostar por você chegou a ser amor pois se eu me comovia vendo você pois se eu acordava no meio da noite só pra ver você dormindo meu Deus como você me doía de vez em quando eu vou ficar esperando você numa tarde cinzenta de inverno bem no meio duma praça então os meus braços não vão ser suficientes pra abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta mas tanta coisa que eu vou ficar calada um tempo enorme só olhando você sem dizer nada só olhando e pensando meu Deus como você me dói de vez em quando"
Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

Paula Rego

A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos

e não ver vista que não sejam as janelas ao redor.

E porque não tem vista logo se acostuma a não olhar para fora.

E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.

E porque não abre as cortinas,

logo se acostuma a acender mais cedo a luz.

E, à medida que se acostuma, se esquece do sol, se esquece do ar,

esquece da amplidão (...)

Marina Colassanti

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009


essa a vida que eu quero,
querida
encostar na minha
a tua ferida
Paulo Leminski

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

The fury of sunsets

Algo
frio está no ar,
uma aura de gelo
e fleuma.
Todo o dia construí
uma vida e agora
o sol afunda-se para
se desfazer.
O horizonte sangra
e chupa seu polegar.
O pequeno polegar vermelho
desaparece de vista.
E admiro-me
com minha própria vida,
este sonho que vivo.
Eu podia comer o céu
como uma maçã
mas prefiro
perguntar à primeira estrela:
Por que estou aqui?
Por que vivo nesta casa?
Quem é o responsável?
Hein?

Anne Sexton Tradução Priscila Manhães

sábado, 7 de fevereiro de 2009


(...)

Vê só:

Eu não te olho com o teu olho que sabe

que quase tudo em ti é transitório.

Meu olho-liquidez

descobre uma tarde esvaída,

tarde-madrugada

Tempo alongado onde te fizeste em viuvez.

Não perdeste a mulher ou o homem que amavas.

Amamos tanto

E a perda é cotidiana e infinita.

(Ária amaríssima de um instante/Hilda Hilst)

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Viva Viva Viva! Viva a sua vida, viva o amor , viva a família e viva os amigos!

Celebrar

Festejar

Comemorar

Na plenitude da felicidade, cada dia é uma vida inteira.
Goethe

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Luiz Arthur, o 'nosso' Toso quarentão: parabéns pra você, nessa data querida...


When no-one else can understand me
Quando ninguém mais puder me compreender
When everything I do is wrong
Quando tudo que eu faço estiver errado
You give me hope and consolation
Você me dá a esperança e consolo
You give me strength to carry on
Você me dá força para continuar
you're always there to lend a hand
E você sempre lá para me dar uma mão
In everything I do
em tudo que eu faça
That's the wonder The wonder of you
Isso é maravilhoso, você é maravilhosa
And when you smile the world is brigther
E quando você sorri o mundo fica mais brilhante
You touch my hand and I'm a king
Você toca minha mão e eu sou um rei
Your love for me is worth a fortune
Seu beijo pra mim vale uma fortuna
You love for me is everything
Seu amor para mim é tudo
I'II guess I'II never know the reason why
Eu acho que nunca saberei a razão
You love me as you do
por que você me ama desse jeito
That's the wonder The wonder of you
Isso é maravilhoso, você é maravilhosa
(Baker Knight " The wonder of you"/ Elvis Presley)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009






No entanto hei-de falar-vos delas um dia, se me lembrar, se puder, das minhas estranhas dores, em pormenor, distinguindo entre os diferentes géneros, para maior clareza, as do entendimento, as do coração ou afetivas, as da alma (mais bonitas não há) e finalmente as do corpo propriamente dito, primeiro as internas ou latentes, depois as da superfície, começando pelo cabelo e couro cabeludo e descendo metodicamente, sem pressas, até aos adorados pés, lugar dos calos, cãibras, frieiras, joanetes, unhas encravadas, pústulas, gangrena, pé boto, pé de pato, pé-de-galo, pé-de-cabra, pé chato, pé de atleta e outras bizarrias. E, aos que tiverem a gentileza de me ouvir, falarei também, na mesma ocasião, de acordo com um sistema inventado já não me lembro por quem, daqueles instantes em que, sem se estar drogado, nem bêbado, nem em êxtase, não se sente nada.
Samuel Beckett

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A primeira neve

Kelly Vivanco

Desse lado da avenida bate o sol

Passam automóveis, cores, sons

A dor está tão longe desse hotel

Tanta gente na rua

Eu lembro de outros tempos,
outras mãos

Me puxam pela rua a me levar

As tuas me traziam pra esse hotel

Sem testemunhas

Alegria!


Teu sorriso é o que ilumina

A madrugada fria

Tua mão me levava e me trazia

Trazia

Fazia tanto frio, então nevou

Nas ruas, nas vitrines de natal

A gente quase nem acreditou

A gente olhava e ria

Agora na avenida bate o sol

São outras mãos que estão a me levar

As tuas me traziam pra esse hotel

E a gente ria

Alegria
Herbert Vianna

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Pois a hora escura, talvez a mais escura, em pleno dia, precedeu essa coisa que não quero sequer tentar definir. Em pleno dia era noite, e essa coisa que não quero ainda tentar definir é uma luz tranqüila dentro de mim, e a ela chamariam de alegria, alegria mansa. Estou um pouco desnorteada como se um coração me tivesse sido tirado, e em lugar dele estivesse agora a súbita ausência, uma ausência quase palpável do que era antes um órgão banhado da escuridão diurna da dor. Não estou sentindo nada. Mas é o contrário de um torpor. É um modo mais leve e mais silencioso de existir. Mas estou também inquieta.

Eu estava organizada para me consolar da angústia e da dor. Mas como é que me consolo dessa simples e tranqüila alegria? É que não estou habituada a não precisar de consolo. A palavra consolo aconteceu sem eu sentir, e eu não notei, e quando fui procurá-la, ela já se havia transformado em carne e espírito, já não existia mais como pensamento. Vou então à janela, está chovendo muito. Por hábito estou procurando na chuva o que em outro momento me serviria de consolo. Mas não tenho dor a consolar. Ah, eu sei. Estou agora procurando na chuva uma alegria tão grande que se torne aguda, e que me ponha em contato com uma agudez que se pareça com a agudez da dor. Mas é inútil a procura. Estou à janela e só acontece isto: vejo com olhos benéficos a chuva, e a chuva me vê de acordo comigo. Estamos ocupadas ambas em fluir. Quanto durará esse meu estado? Percebo que, com essa pergunta, estou apalpando meu pulso para sentir onde estará o latejar dolorido de antes. E vejo que não há o latejar da dor.

Apenas isso: chove e estou vendo a chuva. Que simplicidade. Nunca pensei que o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo. A chuva cai não porque está precisando de mim, e eu olho a chuva não porque preciso dela. Mas nós estamos tão juntas como a água da chuva está ligada à chuva. E eu não estou agradecendo nada. Não tivesse eu, logo depois de nascer, tomado involuntária e forçadamente o caminho que tomei - e teria sido sempre o que realmente estou sendo: uma camponesa que está num campo onde chove. Nem sequer agradecendo a Deus ou à natureza. A chuva também não agradece nada. Não sou uma coisa que agradece ter se transformado em outra. Sou uma mulher, sou uma pessoa, sou uma atenção, sou um corpo olhando pela janela. Ela é uma chuva. Talvez seja isso que se poderia chamar de estar vivo. E apenas vivo é uma alegria mansa.

(Clarice Lispector)